Nunca fui muito bom em reconhecer atos –
seja lá de origem boa ou má. Não sou bom em reconhecer a história e nossos “heróis”.
Possuo problemas de desconfiança. Não reconheço nem minha própria sombra que ri
encostada numa parede imunda dum beco qualquer. Reconheço, é claro, o poder do álcool.
Nesse
dia passavam do meio-dia e o sol não ardia tanto – como é de costume – e o céu
estava com um tom de azul limpo que não me agradava. Comemorava uma coisa
qualquer com um povo qualquer, do trabalho, acho. Eu poderia mendigar, roubar,
matar. Mas trabalho. E em plenas duas horas e pouco da tarde corria o risco de
morte, como sempre, em todo lugar – e bêbado. Despedi-me. Fui de caminho ao
metrô, e, no caminho, fui enquadrado.
– Mãos pra cima, moleque! – Disse o seu
Polícia. – Vai, vai seu merdinha!
Os
outros repetiram o refrão. “Vai-vai”, e apelidinhos: merdinha, bostinha. E não eram
nem três horas. A maioria das pessoas ainda estavam fazendo digestão. O céu não
estava nem nublado e não aparentava que iria chover. Gritavam, tentando entrar
no psicológico e tocar numa ferida inexistente tentando me transferir uma culpa
nula e fazer-me tremer na base. Porra; tremi, mas bem pouco.
– Vai seu maconheiro! – Gritava
gesticulando com uma arma qualquer na mão.
Permaneci
no silêncio por um momento enquanto me revistavam. Nenhum arranhão, nem drogas,
nem armas, nem tatuagem e não, nunca fui para a FEBEM. Senti, então, após o
interrogatório em praça pública – em céu aberto –, que estava prestes a ser
liberado, pois, o seu Polícia havia me revistado mais de três vezes.
– Rapaz... – Resmunguei meio sem pensar.
– Se passar as mãos por aí mais uma vez irá ter que me pagar um café... – e ri.
Infelizmente,
a piada não foi recebida com o sucesso que imaginei. Diabos, nem era tanto uma
piada, eu até que estava me excitando. E broxei; depois de duas botadas na
canela e várias cacetadas – com cassetetes – nas costas. Fiquei moído. Nem
senti gosto de sangue. Nem me pagaram um café. Voltei para casa e dormi depois
do banho, sentindo-me uma vitamina de frutas batida no liquidificador.
***
O
dia incrível; aconteceu à noite. Surpreendente, de fato. Escuro demais e frio
demais depois das meia-noite. Mendigos carentes se abraçavam e o amor está
somente no improvável. A vida é sempre quase tudo igual – um bagaço. Imensa é a
recompensa: morrer. E em morrer, eu estava ficando craque. Não é babaquice. Saí
de casa do centro e fui atravessar uma ponte para a parte BAIXA da Mooca.
Coloquei
uma calça jeans grande e um tênis bacana para correr e camiseta e por cima uma
blusa de frio cinza maior que eu. Saí do prédio e corri, em menos de cinco
minutos já estava perto da Mooca.
O
frio formigava e a rua estava deserta. Soltei um peido e ri – faz parte do
show, também.
Puxei
o livro do bolso detrás da calça, e procurei lê-lo. Quando menos espero, vejo o
piscar das luzes: perigo. Os Polícias. Continuei andando – meio traumatizado –
como se não devesse nada: e nem devo. Mas eles nos fazem, em algumas ocasiões,
dever. É o dever deles. Ossos do ofício – não do orifício. Continuei andando
pensando em fazer filhos e lendo um livro – que não faz diferença qual seja – e
cheguei perto deles e pude perceber, sem acreditar, que eram quatro viaturas.
Quem tem cu, tem medo. Como quem não quer nada; apontei para uma linha do
livro, procurando também pela luz do único poste da rua deserta e perguntei
para o Policial maior:
– O que é “genebra”?
Ninguém
soube dizer. Continuei andando e quando estava de costas para eles, ouvi um
grito:
– Cuidado na ponte, jovem. – Um Polícia,
quase meigo.
Coloquei
o livro no bolso detrás, de novo, onde quem admirasse o balançar duro e desengonçado
dos meus quadris pudesse ver o título e o autor do livro.
Magnífico como sempre!
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