9.4.15

O poder da leitura

            Nunca fui muito bom em reconhecer atos – seja lá de origem boa ou má. Não sou bom em reconhecer a história e nossos “heróis”. Possuo problemas de desconfiança. Não reconheço nem minha própria sombra que ri encostada numa parede imunda dum beco qualquer. Reconheço, é claro, o poder do álcool.

            Nesse dia passavam do meio-dia e o sol não ardia tanto – como é de costume – e o céu estava com um tom de azul limpo que não me agradava. Comemorava uma coisa qualquer com um povo qualquer, do trabalho, acho. Eu poderia mendigar, roubar, matar. Mas trabalho. E em plenas duas horas e pouco da tarde corria o risco de morte, como sempre, em todo lugar – e bêbado. Despedi-me. Fui de caminho ao metrô, e, no caminho, fui enquadrado.

– Mãos pra cima, moleque! – Disse o seu Polícia. – Vai, vai seu merdinha!

            Os outros repetiram o refrão. “Vai-vai”, e apelidinhos: merdinha, bostinha. E não eram nem três horas. A maioria das pessoas ainda estavam fazendo digestão. O céu não estava nem nublado e não aparentava que iria chover. Gritavam, tentando entrar no psicológico e tocar numa ferida inexistente tentando me transferir uma culpa nula e fazer-me tremer na base. Porra; tremi, mas bem pouco.

– Vai seu maconheiro! – Gritava gesticulando com uma arma qualquer na mão.

            Permaneci no silêncio por um momento enquanto me revistavam. Nenhum arranhão, nem drogas, nem armas, nem tatuagem e não, nunca fui para a FEBEM. Senti, então, após o interrogatório em praça pública – em céu aberto –, que estava prestes a ser liberado, pois, o seu Polícia havia me revistado mais de três vezes.

– Rapaz... – Resmunguei meio sem pensar. – Se passar as mãos por aí mais uma vez irá ter que me pagar um café... – e ri.

            Infelizmente, a piada não foi recebida com o sucesso que imaginei. Diabos, nem era tanto uma piada, eu até que estava me excitando. E broxei; depois de duas botadas na canela e várias cacetadas – com cassetetes – nas costas. Fiquei moído. Nem senti gosto de sangue. Nem me pagaram um café. Voltei para casa e dormi depois do banho, sentindo-me uma vitamina de frutas batida no liquidificador.

***

            O dia incrível; aconteceu à noite. Surpreendente, de fato. Escuro demais e frio demais depois das meia-noite. Mendigos carentes se abraçavam e o amor está somente no improvável. A vida é sempre quase tudo igual – um bagaço. Imensa é a recompensa: morrer. E em morrer, eu estava ficando craque. Não é babaquice. Saí de casa do centro e fui atravessar uma ponte para a parte BAIXA da Mooca.

            Coloquei uma calça jeans grande e um tênis bacana para correr e camiseta e por cima uma blusa de frio cinza maior que eu. Saí do prédio e corri, em menos de cinco minutos já estava perto da Mooca.

            O frio formigava e a rua estava deserta. Soltei um peido e ri – faz parte do show, também.

            Puxei o livro do bolso detrás da calça, e procurei lê-lo. Quando menos espero, vejo o piscar das luzes: perigo. Os Polícias. Continuei andando – meio traumatizado – como se não devesse nada: e nem devo. Mas eles nos fazem, em algumas ocasiões, dever. É o dever deles. Ossos do ofício – não do orifício. Continuei andando pensando em fazer filhos e lendo um livro – que não faz diferença qual seja – e cheguei perto deles e pude perceber, sem acreditar, que eram quatro viaturas. Quem tem cu, tem medo. Como quem não quer nada; apontei para uma linha do livro, procurando também pela luz do único poste da rua deserta e perguntei para o Policial maior:

– O que é “genebra”?

            Ninguém soube dizer. Continuei andando e quando estava de costas para eles, ouvi um grito:

– Cuidado na ponte, jovem. – Um Polícia, quase meigo.

            Coloquei o livro no bolso detrás, de novo, onde quem admirasse o balançar duro e desengonçado dos meus quadris pudesse ver o título e o autor do livro.


            

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