15.5.15

Pensar dói

O exercício consiste em desaparecer no seu próprio “eu”. Num esquecimento tão, tão profundo, que se esquece no finito. A imensidão de pensamentos parte do deduzível – nunca de instinto – e especificadamente de opções e segundas intenções. O ser humano a cada passo que se torna mais inteligente, nota que cada vez o é mais difícil de progredir. E seguir em frente ignorando o ignorante, o absurdo absoluto, o nada inabalável, a crueldade do silêncio, a agonia da solidão, a sensibilidade de ser, o beijo que não se esquece, o suspiro e os tragos nos cigarros, é aceitável, mas insuperável – e maldosamente insuportável.                                 
                             
Uma avalanche de imagens fere o cérebro humano constantemente. E com isso a maioria se engana, achando que isso é pensar. Quando na verdade, é imaginação sem criatividade e uma cópia realizada por seus sentidos (não confiáveis), projetando na voz interior a falsa sensação de pensamento. Esses comuns humanos não realizam cogitações, apenas confirmações – sem fundamentos – registrando consigo dados, acostumados a inserir realidades não sigilosas, engolir vomito alheio, finalizam projetando, além de tudo, a falsa segurança; que para alguns, é melhor que nada.
      
Ao ter em mente que o livro do mundo é o que mais nos ensina, precisamos de alguma maneira, abrir os olhos.

O gozo do real pensar é saber que não se chega a lugar nenhum. Que iremos, decerto, morrer – e sozinhos. Portanto, pensar nos leva a consciência, o que é perigoso, mas quando pisar no chão e já não sentir o peso das botas, quando um dente podre doer e cair deixando a carne indolor, a amplitude da loucura, a insanidade do desespero, e o pulsão de explodir; irá trazer um semblante sério com olhar sofrido, e o saber de que a inteligência – como o amor – não é suficiente; e no horizonte, o enxergaram com um sorriso faceiro e depois te pegaram rindo à beça. 

21.4.15

A vida me cobra, com consequências, uma divida que não posso pagar

            Quando digo que gastei 600 reais com livros, todos me chamam de otário; e, quando sigo para o término da frase aonde digo que 300 reais foram apenas para livros que já li, mas que quero deixar na estante, dizem que sou louco.

            “Nunca que eu faria isso”, disseram-me. Indignados: isto é coisa de gente maluca! E continuam:

– O que vai fazer com tantos livros?

– Que tal, ler? – Respondo, naturalmente.

            O clima fica denso. Os olhares se cruzam suspeitos como se perguntassem mentalmente uns para os outros “o que é isso?”.

            A novidade é que isso já não é novidade. Provavelmente chegaremos, mais cedo ou mais tarde, num futuro onde a necessidade de ler seja apenas futilidade. Não acredito que será tão rápido assim, mas nem que tarde a chegar. (Colocarei culpa principalmente nas livrarias que cobram preços absurdos nos livros, e em CDs também). Os sebos, às vezes, são dádivas dos deuses, assim como poucas, bem poucas bibliotecas – e desenvolvam vocês, cada um por si, um jeito, uma maneira de retirar os livros desses lugares, de uma vez por todas, e os guardem em suas casas e se possível os leiam. O mais legal disso tudo é, que quando não houver mais locais com livros, poderemos todos montar uma sociedade e nos matarmos de mãos dadas.

– Por que não juntou esse dinheiro para comprar algo melhor?

– A biqueira tava fechada. 

9.4.15

O poder da leitura

            Nunca fui muito bom em reconhecer atos – seja lá de origem boa ou má. Não sou bom em reconhecer a história e nossos “heróis”. Possuo problemas de desconfiança. Não reconheço nem minha própria sombra que ri encostada numa parede imunda dum beco qualquer. Reconheço, é claro, o poder do álcool.

            Nesse dia passavam do meio-dia e o sol não ardia tanto – como é de costume – e o céu estava com um tom de azul limpo que não me agradava. Comemorava uma coisa qualquer com um povo qualquer, do trabalho, acho. Eu poderia mendigar, roubar, matar. Mas trabalho. E em plenas duas horas e pouco da tarde corria o risco de morte, como sempre, em todo lugar – e bêbado. Despedi-me. Fui de caminho ao metrô, e, no caminho, fui enquadrado.

– Mãos pra cima, moleque! – Disse o seu Polícia. – Vai, vai seu merdinha!

            Os outros repetiram o refrão. “Vai-vai”, e apelidinhos: merdinha, bostinha. E não eram nem três horas. A maioria das pessoas ainda estavam fazendo digestão. O céu não estava nem nublado e não aparentava que iria chover. Gritavam, tentando entrar no psicológico e tocar numa ferida inexistente tentando me transferir uma culpa nula e fazer-me tremer na base. Porra; tremi, mas bem pouco.

– Vai seu maconheiro! – Gritava gesticulando com uma arma qualquer na mão.

            Permaneci no silêncio por um momento enquanto me revistavam. Nenhum arranhão, nem drogas, nem armas, nem tatuagem e não, nunca fui para a FEBEM. Senti, então, após o interrogatório em praça pública – em céu aberto –, que estava prestes a ser liberado, pois, o seu Polícia havia me revistado mais de três vezes.

– Rapaz... – Resmunguei meio sem pensar. – Se passar as mãos por aí mais uma vez irá ter que me pagar um café... – e ri.

            Infelizmente, a piada não foi recebida com o sucesso que imaginei. Diabos, nem era tanto uma piada, eu até que estava me excitando. E broxei; depois de duas botadas na canela e várias cacetadas – com cassetetes – nas costas. Fiquei moído. Nem senti gosto de sangue. Nem me pagaram um café. Voltei para casa e dormi depois do banho, sentindo-me uma vitamina de frutas batida no liquidificador.

***

            O dia incrível; aconteceu à noite. Surpreendente, de fato. Escuro demais e frio demais depois das meia-noite. Mendigos carentes se abraçavam e o amor está somente no improvável. A vida é sempre quase tudo igual – um bagaço. Imensa é a recompensa: morrer. E em morrer, eu estava ficando craque. Não é babaquice. Saí de casa do centro e fui atravessar uma ponte para a parte BAIXA da Mooca.

            Coloquei uma calça jeans grande e um tênis bacana para correr e camiseta e por cima uma blusa de frio cinza maior que eu. Saí do prédio e corri, em menos de cinco minutos já estava perto da Mooca.

            O frio formigava e a rua estava deserta. Soltei um peido e ri – faz parte do show, também.

            Puxei o livro do bolso detrás da calça, e procurei lê-lo. Quando menos espero, vejo o piscar das luzes: perigo. Os Polícias. Continuei andando – meio traumatizado – como se não devesse nada: e nem devo. Mas eles nos fazem, em algumas ocasiões, dever. É o dever deles. Ossos do ofício – não do orifício. Continuei andando pensando em fazer filhos e lendo um livro – que não faz diferença qual seja – e cheguei perto deles e pude perceber, sem acreditar, que eram quatro viaturas. Quem tem cu, tem medo. Como quem não quer nada; apontei para uma linha do livro, procurando também pela luz do único poste da rua deserta e perguntei para o Policial maior:

– O que é “genebra”?

            Ninguém soube dizer. Continuei andando e quando estava de costas para eles, ouvi um grito:

– Cuidado na ponte, jovem. – Um Polícia, quase meigo.

            Coloquei o livro no bolso detrás, de novo, onde quem admirasse o balançar duro e desengonçado dos meus quadris pudesse ver o título e o autor do livro.


            

5.4.15

Feliz páscoa

            Época de páscoa, e havia esquecido o que supostamente deveria ser comemorado. Nascimento de Jesus? Ou quem sabe sua morte? Ressurreição? Apocalipse? E que diabos isso tudo tem a ver com ovos e coelhos? Era demais para mim, então ignorei.

            Mas não por muito tempo. Logo mamãe pediu-me um ovo: e o mais barato custava caro, 20 reais. E com 20 reais, eu podia comprar hambúrguer, que é melhor. Ou várias barras de chocolate, aonde na lógica, sairia mais lucrativo: pagar menos e comer mais.

            Resolvi então comprar o ovo com recheio de maracujá e mesmo que a intenção tenha sido boa, a aceitação da ideia nem tanto. Até por que, ovo deveria ser de chocolate, não de fruta. De qualquer forma, mamãe devolveu na mesma moeda: de jantar, ovos mexidos.

            Alguém abriu a boca para dizer que páscoa é um dia de “passagem”. Comemorar felicidade, se não me engano. De algo divino. Como o Homem-Aranha dos anos 60. E bom, como em todas as outras datas comemorativas, prefiro dormir. É tudo uma bobagem. Não cito capitalismo e revoltas contraditórias por que pretendo parecer menos besta. Pelo menos, mamãe comprou peixes e eu uma caixa de hambúrguer; tem vinho na mesa e estão todos convidados para o churras.  

1.4.15

Para tudo quanto é lado


            O sino do meio-dia tocava indicando que acordei cedo, logo; deveria voltar a dormir – mas não consegui, infelizmente. A vida numa tarde de domingo é tão vida como numa manhã de segunda-feira, mesma bosta. Assim, vivi aquele momento, sendo dominado por um sonho, dentro de outro sonho, e quando acordei, pensei estar sonhando, porém acordei de novo, e, só quando pude mijar na tampa da privada, realmente descobri que era um sonho, mesmo que não sendo um dos melhores, delirei eternamente. O infinito é magnífico, pensei.

            A luz no meu apartamento havia sido cortada por motivos secretos do governo. Água ainda tinha, em todas as pias. No chuveiro que era triste, aquela água gelada. Ao menos não cortaram, o que seria sacanagem, como eu vou fazer suco sem água? Difícil. Porém, pensei depois, que se cortassem a água, eu poderia usar o álcool da cozinha e assim colocar tudo no liquidificador, álcool em gel, pó de laranja tang, pedaços de gelo e bater tudo, mas é... Não tem energia.

            Um sujeito bateu em minha porta:

- Ei!

- Quem é?

- Abre aqui!

            Então abri.

- Por que está assim cara?

- Como?

- Está um caco!

- Não é fácil... Requer treino e disposição.

- É sério mano... Fica assim não! – e completou – NÃO DESANIMA!

- O.K.

            Ficou parado ali na frente da porta por alguns instantes. Uma pomba apareceu na janela, cagou, foi embora. Bela merda.

- E ai?

- Que?

- Cadê ela?

- Quem?

- Ela...

- Ela quem?

- Ta me zoando?

- Não...

- CADÊ ELA?

- Não sei...

            O rapaz ficou parado. Eu não sabia se o conhecia. Certamente me era familiar. Alguns aspectos parecidos com os meus... Pude notar que o sujeito era magro, magro mesmo. Olhos claros, verdes. Cabelos negros, encaracolados. Com isso e mais algumas coisas, era um grande bosta.

- CADÊ ELA PORRA?! – gritou exageradamente.

- Qual é cara?

            Apontou o dedo na minha cara e repetiu, desta vez, lentamente.

- Cadê, ela?

            Não sabia o que fazer. Comecei a me assustar. Pensei em fechar a porta e me esconder debaixo do cobertor. Certamente continuaria gritando do lado de fora, até a hora de se irritar mais e arrombar a porta, com qualquer força sobrenatural que encontrasse no lixo perto do elevador. Achei melhor encarar.

- Não sei.

            O sujeito rapidamente tirou uma pistola detrás da sua cintura e colocou o dedo no gatilho, afirmando que coragem ela tinha, só não educação.

- Eu não vou repetir mais uma vez... Escuta bem... Onde ela está?

            Neste momento pensei em fingir um desmaio. Talvez uma convulsão. Ou assumir homossexualidade e pedir o sujeito em namoro. Quase dancei uns passos de lambada, porém, achei melhor dizer:

- Ela está, onde ela sempre esteve.

            O sujeito parou. Colocou as mãos sobre a cabeça. Caiu de joelhos. Chorou. Chorou muito. Gritou no corredor; uivos de lobo. Achei que se ele fosse assumir homossexualidade, deveria ter feito antes –, e eu estava com medo.

- Mano...

- Que?

- Ela está...

- Sim.

            O sujeito levantou. Arrumou suas roupas. E saiu. Ouvi quando o elevador chegou e o mesmo foi-se embora.

            Pensei bastante em cortar o cabelo. Só que eu já estava devendo um corte no único cabeleireiro do bairro. Estava faminto. Desempregado. Tinha até dia 10 para entregar o apê – era dia 2. Os dias vão passar devagar, pensei. Uma chuva escandalosa se formou aos céus e presenciei um pequeno furacão ao lado sul da cidade, vi da minha janela, que ficava no 18º andar. Tirei o periquito que estava na gaiola e cortei sua cabeça com faca de serra da cozinha – seus olhos continuaram piscando e suas assas ainda batiam. Depois de um tempo, não mais. Puxei as penas que pude e raspei um pouco com a própria faca. Joguei álcool numa latinha de NESCAL e acendi com um fósforo – um belo fogão. Coloquei o pássaro em cima e pouco tempo depois estava pronto. Comi. Era bom. Tinha gosto de frango. Sabe o que dizem não é? Mais vale um pássaro no estômago do que dois voando...

            Quando passei pelo corredor, os outros três que estavam na gaiola cantavam num soneto engraçado para meus ouvidos. PI PI PI PRA CÁ, PI PI PI PRA LÁ. Era PIPIPI pra tudo quanto é lado.

            Deitei no chão e fiquei pensando.

            Bateram na porta, pouco tempo depois.

- E ai?

- Que?

- Cadê ela?

- Ela quem?

- Cadê ela, cara?

- De novo isso?

- Sim. Cadê ela?

            Fechei a porta e me escondi debaixo do cobertor. O que não adiantou de nada, por que a porta não tinha tranca. O sujeito entrou.

- TA FUGINDO É?

- Não. Acabei de almoçar. Deu sono.

- CADÊ ELA PORRA?

            Suspirei.

- Ela está onde ela deve estar. Onde sempre esteve.

- Ah, é?

- Sim.

            Antes do disparo a única coisa que pude ouvir foi um:

- Então dorme aí.

            POW!