14.4.13

Cinco segundos de Crazy Train

     Ai você acorda de manhã, primeiro às seis horas, e tira um cochilo. Depois às seis e vinte, quando o despertador te grita, e derruba você da parte de cima de seu beliche - de dois metros e dez de altura. Você só tem um e setenta e três. Então consegue chegar à salvo no solo. Vai até a cozinha e toma seu café, como todas as pessoas normais. Se troca enquanto come um bolo pela metade, pós aniversário de sua irmã. Depois sai em destino a prisão. Outros preferem chamar o local de escola, já eu, prefiro um termo mais próximo do real, prisão. No caminho está ouvindo alguma música de alguma banda que fala sobre a Califórnia. Você não está tão ligado há música, e sim em pensamentos ruins. Pensamentos ruins porque ontem foi o segundo dia no seu novo emprego - que você odeia. Telemarketing. As piores pessoas. O pior lugar. Com a pior localização. Sempre a mesma coisa, atende o telefone, procura pelo "fulano" com nome sujo na praça e força-o, gentilmente, a pagar, e caso haja uma recusa, dê-o desconto, caso contrário, ameaça-o mais uma vez, até ele desligar o telefone. Se desligar, liga de novo, e de novo. Quantas vezes necessárias até fechar um acordo, amigável. Ameaças sempre funcionam.

- Senhor, é para o seu bem. Só quero te ajudar.

Na verdade é pelo bem da empresa.

- Obrigado pela atenção.

Bom dia. Boa tarde. Boa noite.

     E ai a música acaba. Aquela que falava sobre Californicação? Isso mesmo, fornicação. E no mesmo momento você chega na prisão. Entra de cabeça baixa e vai para sua cela, que você divide com vinte pessoas. Talvez seja uma sala unissex, porque tem alguns indivíduos semelhantes à fêmeas. Mas não tem como ter certeza... Depois de ter entrado na prisão, caminhando cuidadosamente até sua cela, enquanto está sendo mirado, não só por uma, e sim muitas, incontáveis lentes verdes, pretas, azuis e castanhas. E se acontecer de seus olhos se encontrarem com os olhos - lentes alheias - acontece o inesperado. Tiro, granada, facada, arpão, flechada de uma besta, metralhadora Alemã, ou de Israel? AK-47, coisas assim. E não tem como se esquivar, nem como se esconder. E no momento que isso acontece, é como se tocasse o começo de Crazy Train, do Black Sabbath. Só o começo. Os primeiros cinco segundos. Depois dos fuzilamentos, você está sentado no centro da cela.

Você está Brás.

Você está na Mooca.

Você está na Liberdade.

Você está na Sé.

     Está debaixo de um ventilador, no centro da cela, e enquanto está no centro, a sensação do armamento pesado em volta é o dobro. E você só desvia o olhar. E para não sofrer danos maiores, levanta no meio da luz, fica no centro, debaixo do ventilador, e as janelas abertas com grades refletem o sol quadrado no meu olhar, e neste instante, enquanto os indivíduos falam coisas fúteis e banais, sobre homens, mulheres, e mais homens e mulheres. E de novo. E mais um pouco. E todos esses criminosos são iguais. Nenhum se difere. Tem um que é pai, e trás para a prisão o carro de bebê de sua filha, que também é criminosa. Lembro de um dia que nós-criminosos chegamos atrasado na prisão, e tivemos que pular o muro com arame farpado. Só que o criminoso pai, que se considera o Alfa, e que vende DVD's piratas, estava de carro. Motorizado com seu baby car. Debaixo onde tinha um espaço, havia uma bolsa aberta com fraldas e mamadeira. Desconfio que o liquido da pequena meliante era Vodka. E não podemos deixar o pai para trás. Começamos a chutar, frontal, com toda força, o portão da ala sul, que ficava na parte de trás da prisão. E com um golpe triplo e milagroso, o portão do inferno se abre. Mas infelizmente, no mesmo momento, os carcereiros militares estavam fazendo a ronda escolar. E nesse momento, os meliantes fogem como ratos. E o pai vendedor de DVD's piratas, só tem a opção de dar a fuga com seu carro rosa florido. E não sabemos mais dele. E depois de lembrar disso, volto a meu corpo, no meio da cela, enquanto o sol bate no meus olhos e grito.

- Hey!

Todos se calam.
Eu digo.

- Vocês estão aqui porque merecem estar aqui, e suas futilidades não me interessam. Vocês são a merda do mundo.

Me olham atentamente, com os olhos esbugalhados.

- Não falem alto, eu não quero saber de suas vidas.

Consigo sentir o medo, o cheiro do medo, e também de fralda. O pai deve estar aqui... escondido, quem sabe...

- Nessa prisão, o que prevalece é a igualdade, porque vocês, são cópias, cópias das cópias! Cópias da merda do mundo!

O cheiro de medo diminui e sinto alguém querendo me confrontar.

- A primeira regra da prisão, é que vocês não falam comigo! - Eu grito.

Espanto.

- A segunda regra da prisão, é que vocês não falam comigo!!! - Grito brutalmente.

Desespero.

- Apenas sigam as regras.

     Me sento e espero o carcereira que nos ocupa e passa-nos deveres e lições de casa. Doze matérias. Desnecessárias. Essa "escola" é uma farsa. Ninguém aprende nada. Me diz como alguém dá aula, se vinte meliantes falam sobre sexo, mulheres, homens, sexo, homens, mulheres, DVD's, IPHONE'S, fraldas, etc. Um contra vinte. Injusto...                                                                                                                                                          
   
     A carcereira chega, e começa a falar, sobre escravos, revoluções, leis e blá, blá, blá. Disso tudo, eu só pude entender a palavra "Guilhotina". Eu poderia entender mais... ouvir mais, se os meliantes seguissem as pequenas, simples, e singelas regras. Não só comigo, mas com todos. Se me ouvissem e ficassem sem falar, apenas aqui dentro da prisão, daria tudo certo. A palavra que eu ouvi foi "Guilhotina", e eles à merecem... Quem dera o governo fosse como no passado. Era ruim, agora ainda é ruim, mas antes era pior, ainda sendo melhor. Quem merecesse, guilhotina neles. Só haveria um ser na cela. Eu. Que depois disso, poderíamos trocar os nomes. Ou talvez não.
   
     E os meliantes continuam a falar, mulheres, homens, sexo, músculos, maconha, futebol, Neymar, zica, a rua é nós, vagalumes,  um milhão, tênis de quatro molas, bolas, ereção, DVD's, IPHONE'S, coca-cola.

E ninguém segue a maldita regra.

     Ninguém além do louco do Nietzsche. Na verdade o nome dele não é esse. Mas o chamo assim por conta de suas leituras constantes do "Anti Cristo". Sei que ele não entende. Mas acho que ele só tem esse livro, e por isso só lê ele. Também tem uma bíblia. Só que não entende ambos. Anda esquisito e tenta chamar atenção com uma loucura forçada. Ele é igual a escola, uma farsa, com livros que não precisa. Sinto que do meio para o final do ano, ele vira com uma metralhadora, e irá realizar seu próprio sonho enrustido e espiritual. A chacina na Prisão Estadual. Matar, no minimo onze pessoas. A bala de número onze já está predestinada, à mim. Eu sou o número onze.

Eu sei disso, porque eu sei disso.

     E depois disso, vem o cara que dorme. Ele vem a prisão apenas para isso. Dele não se sabe muito, só que passa a noite se masturbando, sempre pensando nos meliantes da prisão e tudo que eles dizem. Sem contar que também sabem que ele, sobre tudo, preferi não.

Está é sua merda de vida, e graciosamente ela está acabando, um minuto por vez.

     E acontece um dos momentos mais esperados por todos na prisão. O banho de sol e a hora da merenda. É uma gritaria insuportável, correria, comida - que te passará câncer e daqui três meses você estará entubado - mas mesmo assim você come. Por pode ser sua melhor refeição, ou a última.
   
     E os assuntos se multiplicam para muito sexo, muitas mulheres, muitos homens, muitos DVD's, muitos IPHONE'S, e por favor, menos fraldas. Queria eu fazer uma dupla com Nietzsche e matar todos e depois nos matarmos. Mas o fato de chegar perto dele já me deixa com vontade de fazer sabão.

E assim continua, essa mesma merda.

     Existe algo que li, que me deixa satisfeito:

Em uma linha de tempo longa o bastante, a taxa de sobrevivência de todos cairá para zero.

Conforto.

Ainda é de manhã, ainda não tocou o sinal para a saída. Mesmo assim, olha para as estrelas e desapareça.

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